O mercado das emoções
Bruna Santini
2 ago. de 2022
|6 minutos de leitura
Tente se lembrar de todas as emoções que percorreram sua alma enquanto você navegava pela internet nas últimas horas. Você se irritou ao ler um absurdo no Twitter? Se entristeceu ao ler uma notícia trágica? Sentiu inveja da sua colega que está de férias na Europa enquanto você trabalha? Ou foi tomado por alegria quando viu um cachorrinho e um bebê brincando em um vídeo curtinho? Todos nós experimentamos tais sensações em poucos segundos de navegação virtual. É quase impossível fugir de certas reações emocionais.
Na era do engajamento virtual a realidade do mercado das emoções deveria morar na nossa consciência, mas ainda não damos a atenção necessária para como isso afeta nossa vida diariamente. O segredo do algoritmo é a provocação de reações humanas extremas causadas por emoções como ódio, alegria e inveja. Ou seja, para que um post seja impulsionado, o usuário precisa ter uma reação emocional forte o suficiente para fazê-lo sair da inércia e interagir, gerando engajamento.
Por causa disso, não é exagero afirmar que existe uma competição universal para criar tais emoções em você aproveitando ao máximo os segundos da sua atenção. O mercado das emoções é o que faz com que o mundo virtual prospere e a reação do leitor é o combustível sem o qual nada poderia engajar ou viralizar. Quanto mais forte a emoção gerada em você, mais longe vai o post.
Apesar de mais evidente agora, o mercado das emoções não é novidade. Infelizmente, a realidade religiosa também não está alheia à este mercado. A competição pela “igreja que me faça sentir melhor” é uma das problemáticas que transforma o corpo de Cristo em cliente, e a relação espiritual de membresia em um mercado consumidor. Como diz C. S. Lewis: “A sociedade para a qual o cristão é chamado no batismo não é um coletivo, mas um Corpo”. (O peso da glória, p. 162, grifo meu). Infelizmente, estamos confundindo as coisas.
Em alguns modelos de congregação, como as megaigrejas, a liturgia do culto tem dado lugar à um apelo emocional para gerar experiências sensoriais ao participante, e não como um momento de adoração em um Corpo. Ao invés do autoesquecimento, o preletor e o músico incutem no participante do culto um senso de importância como se todo aquele momento existisse para que ele fosse satisfeito emocionalmente. A busca pelo transe coletivo é confundida com a manifestação do Espírito. O olhar não é mais para Cristo, mas para o homem. E nem sempre isso é feito com palavras antropocêntricas, mas por meio das transações do mercado das emoções.
Às vezes, a vitória que se proclama é um incentivo emocional, e não espiritual. A “cura” declarada é um paliativo, uma anestesia que gera bem-estar momentâneo. E o vício nas emoções faz com que a vida cristã normal seja encarada como doentia por não ser emocionante o suficiente como o espetáculo com refletores e a banda indie domingo de manhã. O ambiente de compartilhar mútuo e desinteressado torna-se apenas transacional e capitalista — conferências, escolas, livros, cursos. A venda de um estilo de vida transforma o pathos cristão em experiências coletivas emocionais moldadas para gerar uma identidade de consumo com desejos, planos e movimentos estruturados a serviço de ganhos financeiros e uma falsa elevação da vida ordinária. Inclusive, a formação dessa identidade congregacional exclui por vezes a diversidade do Corpo, mantendo padrões sociais, etários e financeiros mais transparentes a esse lifestyle. Não é saudável que a cultura congregacional gire em torno de aspectos secundários reforçados por meios de coerção coletiva (por enquanto subjetiva, até que seja tarde demais). A perda da identidade individual é espantosa: é de se estranhar um corpo somente com iguais.
Como diz Tish Warren em Liturgia do Ordinário: “Ao invés do foco no culto estar no que nos nutre, a saber, a Palavra e o sacramento, o foco se tornou no que vende: empolgação, aventura, uma experiência espiritual calorosa e impressionante. A experiência individual da adoração, uma noção subjetiva do seu encontro com Deus se tornou a peça central da vida cristã.” (p. 157, e-book). Capitalizar emoções em busca de lucro não poderia ser mais distante da verdadeira e pura experiência espiritual em igreja. Há alguns anos teólogos vêm analisando como evangélicos brasileiros caíram no conto da similaridade entre teologia coaching e a experiência religiosa, sendo entremeada em muitas congregações como um algo só. Contudo, não é de se surpreender que uma experiência religiosa artificial construída há alguns anos baseada nas emoções dê lugar para filosofias modernas mais sofisticadas na prática de manipulação emocional e financeira. É apenas a evolução natural de uma forma humana para atrair e gerar uma cultura lucrativa com a religião.
Quando entendi como o mercado das emoções é uma forma de manipulação em massa, comecei a me atentar para as diversas formas que tentam nos fazer reagir de uma maneira programada como certos tons de voz, ambientes musicais e discursos apelativos. Perceber que isso pode acontecer com experiências religiosas foi tão triste quanto libertador. A grande questão é: se você controla as emoções de alguém, consegue controlar suas ações mais facilmente e penetrar na sua consciência sem muito alarde. Entendi que a verdadeira experiência cristã não dependia da produção de momentos emocionantes, mas de uma caminhada em que até mesmo no tédio há crescimento. Aliás, é justamente na rotina maçante e em atividades simples que o belo nasce e se mantém. Aprendi com Tish que é justamente no ordinário e na repetição que tenho um encontro marcado com o divino.
Não faço parte do grupo que demoniza emoções em prol de uma vivência religiosa somente intelectual. Fomos criados como seres completos, que possuem almas e vivem em corpos, e nenhum aspecto da criação humana é um equívoco divino. Contudo, o mercado das emoções faz acreditar que a experiência cristã depende do que você sente. E acredite: é bem possível gerar sentimentos sem um pingo de espiritualidade real. É devastador ouvir relatos de pessoas que caem em si depois de anos numa armadilha emocional, presas à mercê de líderes manipuladores ou ensinamentos distorcidos. A liberdade do simples é assustadora.
Questione-se: sou um mero consumidor ou faço parte do corpo? Permito que minhas emoções me guiem religiosamente ou busco o equilíbrio espiritual? Você pode não se lembrar de todas as refeições que comeu em seus anos de vida, mas só conseguiu chegar até aqui por causa delas. Da mesma maneira, nem todos os domingos na sua igreja local ou momentos devocionais serão memoráveis, mas uma vida em constante devoção é o que te fortalece espiritualmente. Você pode participar de retiros, conferências e grandes eventos, mas tome cuidado com a mentalidade de consumidor e não negocie nem menospreze sua posição no Corpo. Quem enxerga a igreja com a visão de mero consumidor busca apenas êxtase e experiências espirituais, mas quem encontrou seu lugar no corpo encontra paz, constância e firmeza na rocha.
Que tragédia será se nossa vivência espiritual for baseada no trânsito incontrolável de emoções. O vício por sentir-se de uma determinada maneira pode atrofiar sua fé. Emoções não são a moeda do céu, apenas a fé. Se o que você não vê é parte da experiência de fé, não se apoie na produção de sentimentos para conseguir deixar tudo mais tangível.
Original: Original: Escrito por Bruna Santini.
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Revisão: Guilherme Cordeiro Pires.
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