Amizade: caminhando juntos à Eternidade
Marco Antônio Chiodi Jr.
14 jul. de 2022
|6 minutos de leitura
Independentemente da cultura, época ou lugar, ter um amigo é considerado algo bom. Amizades fizeram parte de diversas histórias, algumas muito antigas e contadas até hoje, como Gilgamesh e Enkidu, na Mesopotâmia, Rute e Noemi, no antigo Israel, e outras mais atuais, como Naruto e Sasuke. A amizade tem feito parte das relações humanas há muito tempo e de diversas formas, de forma real ou ficcional.
Mas por que esses laços se formam?
Obviamente, nem todo grupo de pessoas se torna um grupo de amigos. Leitor, qual a proporção de pessoas que são realmente suas amigas em comparação ao total de conhecidas? De acordo com C. S. Lewis, esse tipo de união surge do companheirismo com algo mais em comum para os unir:
A amizade brota do mero companheirismo quando dois ou mais companheiros descobrem ter em comum alguma perspectiva ou interesse, ou até gosto, que os outros não compartilham e que, até o momento, cada um acreditava ser seu próprio tesouro (ou fardo singular).
Dos exemplos citados no início, Gilgamesh, o rei herói de Uruk, se tornou amigo de Enkidu após este se colocar entre ele e seu péssimo vício de dormir com as esposas dos súditos; o rei finalmente encontrou alguém que poderia ser seu igual e, a partir daí, eles partem para uma aventura. Mesmo nas histórias mais modernas, como a relação entre Naruto e Sasuke, o que os uniu foi a vontade de manter a Vila Oculta da Folha em segurança.
Infelizmente, nem sempre o objetivo comum dos amigos é algo bom. Nas suas Confissões, enquanto ainda residia em Tagaste, Santo Agostinho relata as más ações que cometia, cometia “em companhia de amigos”. Tendo o objetivo de estudar em comum, ele se aproximou de um jovem cristão e, conforme relata, a amizade entre eles “amadurecia ao calor dos mesmos interesses”. Entretanto, esse mesmo rapaz veio a se desviar da verdadeira fé por influência deste tão lindo companheirismo. Boas amizades não significam amizades boas. Assim, uma constatação que Agostinho traz é de que a amizade só é realmente verdadeira quando une pessoas ligadas a Deus.
Vale ressaltar que ele tinha conhecimento de como as más amizades influenciavam, já que, assim como ele afastou alguém da fé cristã, muitas amizades também o mantiveram afastado de Cristo. Sua vida devassa, a união com os maniqueus ou ainda sua estadia no neoplatonismo são regados de exemplos de péssimas amizades no ponto de vista cristão.
Em seu livro Sobre a Vida Feliz, há a transcrição do colóquio entre o futuro bispo de Hipona, sua mãe Mônica, seu filho Adeodato e seu irmão Navigio, juntamente com Trigésio, Licênio, Lastidiano e Rústico, seus amigos. O cenário era o aniversário de Agostinho, quando ele reuniu seus achegados, tendo como objetivo principal descobrir o que era a felicidade. O interessante sobre esse trabalho não é a conclusão em si, pois Agostinho ainda estava impregnado com o neoplatonismo, mas sim o fato dos seus amigos estarem presentes na sua busca pelo conhecimento de Deus.
Mudando da Argélia para a Capadócia, é possível encontrar outro exemplo de Amizade cristã, agora com Gregório de Nazianzo e Basílio de Cesaréia. Após sair de sua cidade para estudar na Grécia, Gregório encontra quem viria a ser seu grande amigo, Basílio, futuro bispo de Cesaréia. Uma grande amizade cristã nasceu desse encontro, mas o que os unia? Estudos, busca pela virtude, mas principalmente Deus:
O Senhor me atribuiu ainda mais notável favor: deu-me por amigo o mais sábio, o mais respeitável, o mais erudito de todos os homens. Quem?, perguntar-me-ão. Uma só palavra o fará conhecer: Basílio. Foi Basílio que rendeu tão grandes serviços para o seu século. Partilhei a sua morada, seus estudos, seus meditações e, se me permitem dizer, formávamos uma dupla que fazia honra à Grécia. Tudo era comum entre nós; parecia que uma só alma habitava nossos dois corpos. Mas o que principalmente completava essa união tão íntima era o serviço de Deus e o amor por todas as virtudes. Desde que chegamos a esse ponto de confiança mútua, de não ter mais nada a esconder um do outro, sentíamos que os laços de nossa amizade apertavam-se ainda mais. A conformidade dos sentimentos é o nó dos corações.
Note como ele via o amigo que para ele era “o mais sábio, o mais respeitável, o mais erudito de todos os homens”. A amizade parece sempre trazer esse sentimento de admiração no coração das pessoas. Lewis também relata isso:
Numa amizade perfeita, esse amor apreciativo é, penso eu, frequentemente tão elevado e tão fundamentado que cada membro desse círculo se sente, no fundo do coração, humilhado diante dos outros. (...) Ele tem muita sorte de estar na companhia deles, especialmente quando todo o grupo de reúne, cada um contribuindo com o seu melhor, com o que tem de mais sábio ou mais divertido.
No entanto, não era apenas a admiração que surgiu. Vê-se que a união foi tão forte e tão profunda, que Gregório relata que parecia que uma só alma habitava os dois corpos. Certamente se sentia humilhado e maravilhado pela grandeza do amigo, mas também sentia que agora o amigo fazia parte dele. Agostinho diz palavras parecidas sobre seu estimado amigo em Tagaste:
Disse muito bem quem definiu o amigo como metade da própria alma. Eu tinha de fato a sensação de que nossas duas almas fossem uma em dois corpos.
Nesse estágio, perder um amigo era sentir a própria alma dilacerada. O sofrimento que a perda causa em Agostinho provocou sua mudança para Cartago. Agora, tudo aquilo que os unia passou a ferir profundamente o coração dele. Assim como Gilgamesh teve sua mortalidade confrontada quando Enkidu morreu, Agostinho passou a temer a morte, pois ainda não era cristão. A cidade onde conheceu seu amado amigo se transformou em um fardo pesado para o seu coração, o que o forçou a se mudar para Cartago. Apenas quem já perdeu um grande amigo sabe como ele se sentiu. Como bem disse C. S. Lewis, a amizade não é necessária ao mundo, mas ela dá valor a vida. Perder um amigo pode implicar em perder um sentido para se viver.
No entanto, a verdadeira amizade, como Agostinho mesmo pontuou, tem Deus como fundamento. O que atribui sentido à vida passa a ser Deus, e não mais a amizade em si. A morte de um amigo deixa de ser um peso insuportável para se tornar a esperança do reencontro na eternidade. A tristeza de não se encontrar com o amigo se transforma na alegria em saber que ele agora está junto daquele que era almejado, Deus.
Original: Escrito por Marco Chiodi
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Revisão: Maurício Avoletta Júnior
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